segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

‘Pé na cova’ dá show de humor inteligente e tem grandes atuações


Pé na cova (Foto: Arquivo pessoal)PÉ NA COVA (FOTO: ARQUIVO PESSOAL)
Estreia da última quinta-feira na Globo, “Pé na cova” deixou a impressão de que humor e melancolia, misturados num texto muito inspirado e inteligente, podem viver em grande harmonia. E mais, se potencializam. A série de Miguel Falabella (que tem na equipe de roteiristas Artur Xexéo, Flávio Marinho, Antônia Pelegrino, Alessandra Poggi e Luís Carlos Góes) dirigida por Cininha de Paula não se limitou à piada e ao talento para o frasismo que sempre foram fáceis para ele. Ampliou seu alcance ao retratar a miséria, a literal, financeira, e a de espírito. O programa gira em torno de uma família disfuncional, composta pelo pai, Ruço (Falabella), a mãe, Darlene (Marilia Pêra), a jovem esposa, Abigail (Lorena Comparato), a filha, Odete Roitman (Luma Costa) e o caçula, Alessanderson (Daniel Torres). Os pais tocam um estabelecimento funerário. Eles são paupérrimos, vivem num Irajá pouco literal, um genérico de bairros populares do Rio.
Diferentemente do movimento de ascensão social que mobiliza o Brasil e se reflete em quase toda a teledramaturgia, esses personagens não têm sequer as ambições de consumo atribuídas à classe C. Na primeira sequência, um jogo de falsa aparência refinado mostrou a família como estrela de uma propaganda de margarina. Eles surgiram como não são: ricos, sorridentes, numa casa ideal. Na cena seguinte, o espectador aterrissou na sala do Irajá, onde o anúncio era assistido por alguns deles pela TV nova de Ruço, cujo controle remoto ele sequer conseguia operar. Esse labirinto de espelhos de parque de diversões — que deformam mas não transformam de verdade, é tudo ilusão — expressa bem como esses personagens se veem. Eles nem se reconhecem no reflexo na propaganda da TV porque são incapazes de se imaginar em outro lugar.
Nesse primeiro episódio, Falabella estendeu um tapete para Marília esbanjar seu imenso talento com a sua Darlene alcoólatra, decadente, com um pé na falta de moral, mas cheia de afetividade. A sintonia deles ganhou ainda mais força com o visível prazer de ambos em falar um texto tão espirituoso. Destaque para a cena na sala de maquiagem de defuntos. A conexão desses dois personagens foi também o coração do programa, que abordou temas fortes e pisou na jaca, mas sempre enternecendo.
Há ainda tipos secundários, mas muito importantes para compor o ambiente suburbano, o das famílias estendidas à vizinhança motivadas por laços variados: a Babá (Niana Machado), Tamanco (Mart’Nália), Marcão (Maurício Xavier), Juscelino (Alexandre Zachia), Adenóide (Sabrina Korgut), Soninja (Karin Hills) e Giussandra (Karina Martin), Floriano (Rubens de Araújo) e Luz Divina (Eliana Rocha).
Na estreia, um programa de apresentação, o principal cenário foi a casa e a ênfase, mais nos dramas familiares do que em situações externas. Não se sabe o que vem por aí, mas há muito o que explorar. “Pé na cova” fez sonhar e lembrou aquela famosa frase que Tolstoi criou para abrir “Anna Karenina”: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira“.

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