segunda-feira, 26 de novembro de 2012

CRÍTICA: 'A grande família' associa mito do bom selvagem a suburbano



Uma das mais inspiradas reflexões sobre as diversas representações na TV das mudanças sociais do país e a “descoberta da periferia” estava em “A grande família”, na última quinta-feira. O episódio girou em torno da ida da equipe de uma emissora de televisão ao bairro de Lineu (Marco Nanini) e sua turma. Foi um show de boa exploração da metalinguagem misturada a humor refinado e sem pompa, simples, ou seja, de grande poder de comunicação. Agostinho (Pedro Cardoso) se posicionou estrategicamente para receber os visitantes. De chinelo, pôs o carro para lavar na calçada enquanto cantarolava a melosa “todo menino é um reeeei/eu também já fui reeeei” etc. Foi interpelado por Bebel (Guta Stresser), que lembrou: “Faz uns 20 anos que no subúrbio ninguém canta esse tipo de música”. Ele rebateu: “Mas é assim que a televisão gosta, o subúrbio nostálgico, a vidinha mansa que não existe mais". Na sequência, decidiu que era preciso fazer “uma feijoada de domingo”, outro clássico dessa periferia idealizada de que a TV gosta. De nada adiantou Bebel argumentar que “suburbano come shushi e sashimi e ainda faz queijos e vinhos de vez em quando”. Mas a realidade se impõe até onde não se espera e a feijoada de Nenê (Marieta Severo) ficou “sem gosto”, uma metáfora para reforçar a ideia de que o prato “não era autêntico”. Eis o tema da noite: a oposição entre o real e o mero simulacro. O título do episódio, “O bom selvagem”, era referência a Jean-Jacques Rousseau, que dissertou, no século XVII, sobre um “homem puro”, intocado pelas contaminações da civilização. A analogia procede: o “bom suburbano” também não existe. Assim, “A grande família” fez a atualização do mito.
“Avenida Brasil”, ao contrário, não olhou para o subúrbio do alto do nariz civilizador. Na novela de João Emanuel Carneiro, os cafonas do Divino tinham protagonismo e seus valores, propriedade. Ridículos eram os outros. Em “Suburbia”, Luiz Fernando Carvalho e Paulo Lins encostam na realidade. Não é uma Madureira encenada, e temos a sensação de que tudo ali é “de verdade”, mesmo acrescido de uma boa dose de poesia. Já em “Salve Jorge”, ainda não vimos o aproveitamento da chance de mostrar o Complexo do Alemão. Na estreia, exibiram imagens reais da ocupação, o que valeu o capítulo. Mas, de lá para cá, o cenário se perdeu em chavões e caricaturas. A participação de moradores locais se tornou um mero adereço, quase um elemento cenográfico. O resultado eventualmente cai na comédia involuntária. Pena, tomara que isso seja revertido.
Finalmente, para refletir sobre tudo isso, recomendo a delicadíssima autobiografia de Marcus Vinicius Faustini, “Guia afetivo da periferia” (Editora Aeroplano). No caminho inverso de “A grande família”, ele fala que a TV foi essencial para ele entender o mundo: “Além dos filmes do Charles Bronson, gostava da dublagem de ‘Um dia de cão’. A perfeita ligação entre as imagens de Al Pacino e a voz de Nelson Batista me fazia acreditar que eu podia compreender qualquer indivíduo do mundo”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário